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E era aquela velha histórinha que ele me dizia... "Você sempre acha que tem razão..."
- Se eu acho que tenho razão talvez seja porque eu tenho razão.
- Ou não, talvez Tristan, você seja um louco cabeça dura. E ai? Vamos lá ver o pessoal fazer um som?
- Não.
-Por que?
- To fora dessa. Acho que quero ficar sozinho. Preciso muito de mim.
- Olha lá hein... não vai ficar se acabando na punheta.
- Acho que não.
Eu fiquei um tempo no sofá depois que o Joca saiu. Eu me dividi em mil eus, até me achar em cada pedaço. E era assim toda vez que eu achava que estava só. Ia me procurar, e me achava, e cada pedaço era um outro eu e era tão eu como nunca. Alguns meus pedaços eram brilhantes pedaços de espelho no chão. O espelho quebrado a duas semanas ainda estava no chão e eu restolhado nele. O que você pensa quando tem que se libertar?
Não pensa, senão não é livre... o pensamento é uma prisão terrível, se pensa não faz, se fizer não pense. E o que se faz quando quer esquecer? Não pensa? Esquecer é fácil, o difícil é não lembrar.
Lembrar é uma situação estranha, eu preferia não lembrar de muitas coisas, nem lembrar dela, nem lembrar das verdades que ela mentia pra mim. Nem lembrar que amor é só uma palavra que as pessoas proferem porque acham que existe, porque acham que sentem. Eu sempre preferi não falar... mas ela tinha o dom de arrancar da minha boca. As verdades que eu mentia pra ela... eu não mentia pra ela... eu não gostava de mentir. Não há nada melhor que por a cabeça no travesseiro e dormir sem ter com o que se culpar, sem mentiras pra se culpar. E ela dizia a mesma coisa, aquela velha histórinha..."Você sempre acha que tem razão."
Mas era tudo que eu tinha... minha mais louca razão e ninguém entendeu. O mesmo sentimento que trás prazer é um veneno, e corrói a razão até ela ficar louca louca, foi o que aconteceu com toda a minha razão, com toda a razão que eu tinha. Eu já não queria mais perder minha razão, não ia perder minha razão por alguma coisa que alguém acredita que existe, mas no fundo nem sabe o que é...é como quem crê em Deus. A gente houve falar em Deus e amor a muito tempo, mas o que é ninguém sabe dizer nem explicar, por isso eu ia ficando cada vez mais com a minha razão sem muito nexo. Se alguém no mundo soubesse o que é amor não existiria miséria, nem todas essas coisas atrozes que existem por aí. Eu queria ficar com minhas razão e meus restolhos no chão me olhando. Queria a negação, queria o que ela me deu... aquela noção de que eu não era nada, nem representava nada, que eu era menos que ela, queria que ela fosse ela e eu eu. Eu queria meu eu de volta livre e racional e ela bateu na porta.
- Tristan!!! Você tá aí? Abre a porta pra mim... eu quero falar com você. Tristran!!!
Eu não estava pensando em abrir a porta. Abri a porta e ela entrou com olhar preocupado.
- Ta tudo bem com você?Olha, acho que a gente tem que pensar nas coisas boas sabe? Nos sentimentos bons. Não tem porque ficar assim, você não vai entrar num acordo comigo? Não vai falar nada?
Eu estava ali sentado pensando que o dia poderia ser muito mais bonito de fora da janela, e nem estava com vontade de falar nada, nem concordar... a porta estava aberta e eu saí pra ver o dia e ser visto, eu e meus restolhos.

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